- Filme para Poeta Cego
- Jessy
- Procurando Rita
- Sobre o Abismo
série "Theaters", de Hiroshi Sugimoto |
Scénario du film 'Passion' (1982), de Jean-Luc Godard |
1. História(s)
do Cinema: Jean-Luc Godard tem “deus” no nome. Ele vem à cena de costas, vemos
apenas seu vulto, cabelos desgrenhados tal qual um cientista maluco diante uma
tela em branco e começa a recitar em tom magistral: ele aponta a tela e diz
que estamos “entre o finito e o infinito”, “entre o preto e o branco” e
prenuncia “você voltou a tempos longínquos até a Bíblia, você fez coisas
proibidas”, “você pode inventar o mar, a página em branco, a praia” e sentencia “você
inventou o mar”. O controle do universo.
Jessy (2013, 13min; Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge) |
2.
Noutra de suas histórias, Godard nos diz que “o cinema não faz parte da
indústria das comunicações, nem da indústria do espetáculo, mas sim da
indústria dos cosméticos, da indústria das máscaras... que não é em si senão
uma pequena sucursal da indústria da mentira”, ”história(s) da beleza, em
suma.”... para dizer em algum outro momento, que isso talvez porque fossem
garotos filmando garotas. Em Jessy (2013, 13min; Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge),
a diretora Paula Lice realiza um sonho dos cahiérs
de infância de (trans)vestir-se de diva – história(s) da dublagem, também,
de se fazer passar pelo que não é. Vemos no filme apenas os bastidores
dos preparativos da apresentação: os ensaios, a escolha da indumentária e a maquiagem,
enquanto outras performers nos
entretém. O curta-metragem acaba no momento em que Paula Lice (ou melhor, a já
transformada Jéssica Cristopherry) sobe ao palco: uma história da beleza
interrompida, o espetáculo nos foi negado. Um dia após a exibição, conversando
com amigos, lembramos que no início dos anos 1990, durante nossa infância,
Silvio Santos já apresentava shows de drag-queens na televisão aos domingos à
noite e que os mais ingênuos de nós, não conseguiam identifica-los como homens
vestidos glamourosamente de mulheres. História(s) da inocência.
3.
De maneira genérica, uma voz vinda do além afirma que “por essa tela já passou
boa parte da história do cinema”, mas que “a cada sessão é como se ela
estivesse virgem”, pois “a tela em branco é um imenso abismo feito de
esquecimento” e então “é estranho pensar que as imagens vivem ali por um
momento e passam sem deixar marcas de sua passagem”. “Ou quem sabe os filmes
deixam sim marcas muito pequenas que o filme seguinte recebe e que nós não
notamos”, para, por fim, essa voz do além perguntar se “não é isso a história do
cinema? Os respingos de uma imagem na outra que a tela vai guardando a ponto de
se tornar ela mesma um pedaço da história ou ao menos o pedaço da história de
alguém?”.
E eu pergunto: “essa tela”? Todas elas? As
filhas menores também? Pedaço da história ou espaço onde os olhos a escrevem?
Procurando Rita (2012, 07min; Evandro Freitas) |
- Você gravou onde?
- A Música?- Sim.
- Eu baixei da internet.
O que é a memória para um computador (machina)?
É o mesmo para a espécie humana? Rito e Arquivo: seu Adilson carrega dentro de
si a(s) história(s) do cinema de Cachoeira. Quem se atreveria a negar?
5. Um passeio pelas imagens dos outros, uma
história feita com - as - dos outros. Documentarama: havia algo de muito
simples na origem aqui ou estamos mais próximos daquelas políticas
místico-anarquistas que guardam melhor os segredos enunciando-os do que
calando-os?
7.
As linhas do asfalto correm verticalmente pela tela e uma voz num carregado sotaque
sulista made from USA no diz: “nunca penso aonde vou. Mal me lembro onde
estive”, “Lembro de fugir, lembro que eu fugi o teeeeeeempo todo, eu estava
sempre fugindo”. Movi(e)mento. Enquanto isso, na cidade, as questões continuam...
Entre afirmações e perguntas, elas interrogam “por que as imagens podem nos
salvar? Por que acreditamos que elas possam nos salvar?”. Um veredicto surge,
pois, “de todo modo, olhar uma imagem é sempre uma prece, um pedido”. Porque
“não é essa a vida secreta das imagens? Salvar do lado de lá, algo que do lado
de cá está sempre na iminência da catástrofe”. Bazin dizia, “salvar o ser pela
aparência”.
Filme para Poeta Cego (2012, 26min; Gustavo Vinagre) |
9. Por último, de novo
Godard. Ele nos conta mais uma de sua(s) história(s) sobre “uma operária que é
despedida por seu patrão. Ela se apaixona por um estrangeiro que veio para
fazer um filme na região. Mas a mulher do patrão também se apaixonou pelo
estrangeiro. E o estrangeiro não consegue achar uma história, uma estória para
seu filme mesmo que haja cinquenta em torno dele. É tudo”.