quarta-feira, 29 de outubro de 2014
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Mostra Competitiva Festival de Brasília: Locação
filmes:
- Nua Por Dentro do Couro (2014, 21min; Lucas Sá)
- Bashar (2014, 18min, Diogo Faggiano)
- B-Flat (2013, 24min; Mariana Yousseff)
- Castillo Y El Armado (2014, 13min; Pedro Harres)
- La Llamada (2014, 19min; Gustavo Vinagre)
- Brasil S/A (2014, 72min; Marcelo Pedroso)
.internas
Na apresentação dos filmes no quarto dia da mostra
competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o diretor do
curta-metragem Nua Por Dentro do Couro (2014, Lucas Sá) proferiu uma das
frases mais ousadas do festival. Ele disse que seu filme, parte filmado no Rio
Grande do Sul e parte no Maranhão, era todo passado no Maranhão. Essa generosa
informação contém uma dose de audácia por seu grau de revelação, ela fala da
construção desse território da ficção (ou seria, melhor dizer da
representação?), desse espaço construído por discurso onde a realidade é
tornada código (imago).
No entanto, essa revelação não era tão importante para
falar especificamente do filme maranhense(?!). Nua Por Dentro do Couro fez
parte do grupo de curtas-metragens do festival que, guardemos o jogo de palavras, exploraram o enclausuramento - os outros seriam Loja de Répteis
(2014, Pedro Severien), Vento Virado (2013, Leonardo Catapreta) e Estátua (2014,
Gabriela Amaral Almeida). São filmes que poderiam se fazer passar
por e, em qualquer lugar do mundo. Adeptos de uma estética do confinamento (que
verdade seja dita, contempla toda experiência do ver em quadro, limitado), bastaria
que alguma personagem olhasse pela janela do apartamento ou residência e, no plano
seguinte, uma imagem da Torre Eiffel para crermos (é necessário a nossa boa fé
de público) que o filme se passa em Paris.
Porém, e foi por isso a ousadia e generosidade, essa
capacidade de revelar esses falsos detalhes antecipados, não
necessariamente modernos por não estarem precisamente no filme, permite-nos
avançar sobre esses regimes de imagens. Podemos lembrar do caso das
novelas da Rede Globo que têm a parte inicial da trama gravadas no exterior ou
em que a história é toda passada no nordeste brasileiro. Imagens externas de ruas
de cidades famosas, com atores percorrendo prédios e monumentos de
reconhecimento ou misturando-se com as populações locais são confundidas com
imagens de interiores gravadas nos estúdios Projac na Floresta da Tijuca no Rio
de Janeiro (que conta com uma área total de 1,6 milhão de m² e inclui a
floresta atlântica ao redor da área utilizada) e a representação estará
naturalizada: naturalismo tardio de estúdio que encontra bases mais profundas. Eis uma artimanha.
O modelo hollywoodiano clássico (até os anos 1960, mas no
qual se assenta até hoje) é basicamente baseado nessa estratégia que os cinemas
modernos irão solapar. Para os técnicos desse cinema industrial de larga
escala, era necessário desenvolver os meios que possibilitariam John Wayne,
Marilyn Monroe, Clark Gable e Greta Garbo tomarem navios, cruzarem as
pradarias a cavalo, atravessar os Estados Unidos de costa a costa ou percorrerem
o mundo, sem precisarem sair de dentro dos galpões da Warner Bros ou da FOX
onde os filmes eram produzidos a toque de caixa.
Dos diversos rompimentos exercidos pelos cinemas modernos do
homem (e cada vez mais mulheres e diversos grupos sociais) com a câmera na mão,
um dos principais será a capacidade de subverter essa fórmula. Por exemplo, a
capacidade de tomar (no sentido das tomadas de filmagens) da
realidade prédios na periferia de Paris e dizer que eles são, na verdade,
de um planeta distante chamado Alphaville. Ao modelo da velha Hollywood
(até 1960) com atores brincando de guerra em galpões cheios de mato vivendo
uma batalha nas Coréias, o contra-ataque da nova Hollywood (após 1970) será
inflacionada pelo star system com Marlon Brando e grande elenco excursionando
pelos pântanos de verdade (ai como dói) nas Filipinas (e ainda não é exatameeeente
o Vietnã). Enquanto a outra ofensiva será nos efeitos especiais e o
desenvolvimento de tecnologias de geração de imagens digitais criando novos e
virtuais campos de batalhas para conquista.
Nua Por Dentro do Couro (2014, Lucas Sá) |
Eu citei neste primeiro bloco do texto os títulos de alguns
curtas-metragens vistos na recém encerrada 47ª edição do Festival de Brasília
do Cinema Brasileiro que exploraram o enclausuramento enquanto estratégia de
construção da narrativa e do espaço fílmico. Poderíamos falar de um cinema de
tablado ou de filmes cúbicos. A estratégia é sempre a da suposta quarta parede de
onde vemos os acontecimentos desenrolarem-se diante nossos olhos (o famoso
ponto de vista). É um cinema herdeiro do palco teatral no que o Teatro tem (e o
que o caracteriza como tal) de cálculo da disponibilidade da cena (um local de
ação, o percurso do tempo, seres em relação). O cinema assim entendido, conta
ainda a seu favor com a mobilidade da câmera e é a elaboração de uma geometria
do olhar que irá estabelecer com o público: daqui, você verá isto, daqui, mais
isto, e agora daqui, você não verá nada. Esses filmes baseiam-se num pacto com
o espectador: o de que existe algo, qualquer objeto a’ que continuará sendo
extensão do filme através dos olhos vendados ou por trás das janelas e portas fechadas. Um suposto mais
ver que nunca barraria nossa pulsão escópica. Eterna reposição da promessa
“vocês querem ver, então eu vou mostrar” que é senão a capacidade de retardar o
momento em que o monstro aparece e três letrinhas vêm impedir uma imagem posterior: FIM. Luzes
acesas e aquele retorno cruel à realidade.
Esse deambulo já foi longe demais. Todo caso, essas
experiências vislumbradas irão descambar no segundo caso que nos interessa
analisar aqui. Voltemos aos filmes do Fest Brasília.
.externas
O que temos então quando os filmes saem desses interiores
controláveis e arriscam-se a céu aberto? Subtração da quarta parede e acréscimo
da “impressão de realidade” que o drama sério burguês tanto se empenhou na sua
busca ilusionista? Falamos demais em dispositivos nos últimos anos para
cair numa armadilha proposta assim tão fácil. Passamos agora ao segundo grupo
de filmes que, sem superar ou dar por ultrapassado as questões apresentadas
acima, irão incorporá-las e elaborar a inversão da fórmula: exatamente pelo
crivo e pela peneira do dispositivo, estas são obras que enclausuraram
a exploração.
Quatro dos doze curtas-metragens exibidos na seletiva
nacional eram gratas surpresas que poderíamos denominar filmes forasteiros num
festival do cinema brasileiro. O primeiro deles, o desenho animado Castillo
y el Armado (2014, Pedro Harres) tem como base da aventura, uma história de
fome numa comunidade bem pobre de pescadores argentinos. Bashar (Diogo
Faggiano) tem necessidade obrigatória de circulação por ser uma versão
particular boa parte captada in loco da emergência (no sentindo do
levante) e urgência das imagens da guerra Síria. Já La Llamada (Gustavo
Vinagre) tem o dado curioso da ontologia sonora em que vive a ilha cubana.
Uma das tramas que se desenrolam é a espera pela ligação da central telefônica que
confirmará o funcionamento da linha. A simulação no jogo do ‘telefone sem fio’
da aguardada “chamada” do título, acrescentará doses de melodrama as
palavras trocadas entre vistas. Contudo, apesar de filmado no exterior, La
Llamada poderia sumariamente ser encaixado no primeiro grupo de filmes do
confinamento, pois é necessário que os protagonistas permaneçam em território
doméstico aguardando por ruídos familiares. E o quarto curta-metragem da lista,
B-Flat (Mariana Yousseff), foi de longe a maior produção vista
entre todos os títulos concorrentes no último festival, seguindo o critério dos
créditos finais, com as devidas proporções de uma bela orquestração
cinematográfica. O curioso é que são todos filmes de títulos estrangeiros, com
falas exóticas incompreensíveis sem o auxílio de legendas, mas que elaboram uma
insuspeita (secreta, pelo risco de não ser ouvida) composição do prazer da língua.
B-Flat é também o maior exemplo, neste caso, por comparar com a
melodiosa língua híndi diálogos entrecortados pelo monocórdio inglês. Os quatro
curtas-metragens falados em línguas estrangeiras (Bashar, B-Flat, Castillo y
el Armado e La Llamada) despertam a primeira possibilidade de
aproximação para percebermos esse detalhe que chega antes de nós, não vemos,
mas basta abrirmos a boca para instaurar a diferença – é em relação à palavra em oposição
às experiências de profundidade desejada da imagem, que os melhores filmes
vistos no último Fest Brasília recorreram para demarcar o espaço da
diferença ou do pertencimento. Pois é o não ouvir, mais do que o não ver, que
implica a falta de percepção do outro, conseqüentemente, anulação de toda
política. São curtas-metragens filmados no estrangeiro (o desenho
animado passado numa comunidade barqueira argentina, as notícias da guerra
síria, o quase melodrama cubano e a fábula indiana) que explicitam mais forte,
pelo tema da viagem, como filmes podem ser zonas de contatos entre um cá e um
lá. O que fazer? Inscrevê-los.
Brasil S.A. (2014, Marcelo Pedroso) |
Tratam-se também de estratégias de tomada (no
sentido cinematográfico, mas também militar) da palavra. Vamos nos
repetir aqui com assuntos e exemplos retirados de filmes citados anteriormente
e como alguns elos podem ser estabelecidos. 3 pontos: 1 – ponto de honra: quem
fala por quem; Falei sobre a ontologia sonora da ilha cubana para anotar que em
La Llamada, vozes vindas de longe são apenas as emitidas pelas rádios e gravações
do governo. Em Cuba, as versões possíveis ainda são na maior parte do tempo
apenas as oficiais e chanceladas, como as impressas nos jornais, por exemplo. La
Llamada é também um filme institucional sobre as sacolarias e verdurões
cubanos. O filme é assinado por Gustavo Vinagre,
estudante brasileiro do ICAIC (Instituto Cubano Del Arte y La Indústria
Cinematográficos). 2 – falar pelo outro; já a história de retorno às origens de
B-Flat inventou a lenda hindu que aparece no curta-metragem sobre tubas
que quando tocam a nota Si Bemol (B-Flat em inglês) encantam jacarés que tentam
reproduzir o som e fabricam sonhos. Importante ressaltar que, embora o roteiro
tenha ousado criar mais um encanto para a já rica mística hindu, realmente
existem mistérios envoltos ao soar desta nota musical. 3 – não falar pelo
outro; Houve uma interessante tensão entre as diversas propostas narrativas
vistas na mostra principal do festival entre filmes falados e filmes mudos. A
variação neste caso era apenas a supressão da voz humana, com os ruídos
ambientes e trilhas sonoras preservadas. Podemos perceber com mais distância
que o mutismo e atuação um pouco atônita dos personagens (agentes, atuantes) de
Brasil S.A. (2014, Marcelo Pedroso), seria por esses atores habitarem um
espaço (cinematográfico e alegórico) que antecede a linguagem. Situação que
concede ao enunciado(r) do filme uma posição de “não lugar”, porque se existe
uma oposição entre os habitantes dos planos de Brasil S.A. – algo que os
tornem irreconciliáveis - não é perceptível onde cruza essa linha de divisão.
Não há qualquer voz vinda de cima ou qualquer pendor que venha auxiliar-nos a
estabelecer um alto e um baixo. Pelo que lembro, os únicos pronunciamentos
humanos no filme são sempre reproduções mecânicas previamente gravadas,
radiodifusões ou mensagens fonadas. A palavra escrita surgia apenas estampada
como marca (HYUNDAI).
Esse “não lugar” no filme é a possibilidade de situar-se
nessa posição onde podemos olhar para os dois lados ou para os diversos lados
contando o filme não insinuar um binômio. Estamos certamente numa fronteira, um
ponto de vista entre dois, mesmo sendo território local ou ambiente familiar.
Essa oposição é provocada por montagem: trata-se de diversas posições (de
câmera, obviamente), mesmo que ligadas ou (re)unidas um pouco à revelia (como a
sombra da bandeira no alto do prédio da cidade que faz sombra sobre o homem remando
no mangue).
Também a essa precedência naif de “quem ainda não aprendeu
a falar”, Brasil S.A. não opõe e nem é uma ode maravilhada ao barulho
eufórico do bom funcionamento das máquinas. O som do filme é sempre de uma
sinfonia desumana, a atroz ficção das máquinas, sempre prontas para amputar, sedutoras porém extremamente
difíceis de causar qualquer identificação. Dois usufrutos: de um lado, ainda acanhado
e um pouco canhestro, é preciso acoplar-se à máquina, pois se trata do
surgimento de uma nova natureza, originada do fogo, e será necessário aprender
a utilizá-la como armadura (hardware) ou apenas formar par, porque a questão
seja apenas coreografia; do outro, mais desembaraçado, a plena realização do
deslizar de superfícies umas sobre as outras, com as crianças sentadas a salvos
nas cadeirinhas no banco de trás, desejo de mobilidade irrefreável alcançando
novos patamares e servindo a contento, até que um buraco na estrada venha desalinhar
todos os sonhos de retas. O Sol irá preencher o (novo?) centro da bandeira
verde amarela e virá tostar, carbonizar, esturricar, ocupando o lugar da
ideologia positivista de Ordem e Progresso. O Sol é apresentado no filme como
um super poder dotado de justiça própria, o astro maior de nosso sistema vem ocupar seu
lugar de direito como ser orgânico que reina sobre a engenharia, destituindo as
27 estrelas dos estados e distrito e dissipando as fronteiras (as linhas
imaginárias) entre eles, nessa nova pátria solar que o filme parece inaugurar.
Falta comentarmos sobre a grandiloquência épica, o
futurismo e o construtivismo do filme. Montagem por atração, mas
principalmente montagem por choque. Há limites claros na demarcação da
empreita: vindos da China, aportamos em Brasil S.A. (o filme, mas também
o espaço territorial do país cinematográfico LTDA. construído dentro do filme)
acompanhando um carregamento de veículos tratores que substituirão os longos vínculos
do trabalho humano no corte da cana – ainda, engenhos – a cana-de-açúcar agora
é matéria-prima para locomotores, através da produção do etanol. Este seria o
extremo oeste do filme. Os manguezais são a porta de acesso à leste e extensão natural
em contato com esse universo canavieiro agreste. Os manguezais também são
limítrofes (posto de passagem na fronteira) com a metrópole – a selva de concreto que
avança voraz, movimento de aglutinação, mas também de deglutição, ensurdecedora e
sem qualquer possibilidade de identificação em meio a tanto barulho. O elemento
vivo nesse universo de concreto é o carro – o único movente em habitat natural -
num mundo sem cromoterapia. O outro ponto cardeal desse país dos automóveis é
a pérola negra, o petróleo. Há ainda sequências muito intensas, até mesmo
atrevidas, por afundarmos nas nossas contradições; como exemplos, as cenas com
atores negros passando pó de arroz no rosto e valsando um baile à Viena (porque
qualquer restrição quanto uma perca da originalidade ou dos costumes
tradicionais desperdiçaria as potencialidades e projeções do poder de poder
passar pelo outro – um outro de classe, sexual, racial, religioso, cultural).
Ou a parte musical no filme quando toca o hit The Sound of Silence durante um
culto religioso (por que a questão que sempre retorna é: quem detém a Palavra?
Quem pode/deve falar por Quem?).
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Cineclube Ceicine: Encerramento mostra Sessão da Tarde à noite
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